sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Pai, afasta de mim esse cálice!

Sírio Possenti rubricou um texto meu, "A Língua Portuguesa Venceu!", no site Terra. Pensam o quê? Não é qualquer um que pode ter um professor da Unicamp e linguista como orientador, sem precisar ir de São Paulo a Campinas, pagar pedágio e enfrentar mais de uma hora de viagem. Bendita internet.

Ele diz que meu texto está em itálico e o dele entre parênteses, mas neste artigo que ora escrevo a palavra dele recebe sempre aspas,acrescida da leitura vertical, já que esta é a proposta do blog. Representa respeito respeito ao texto alheio, o qual tive prazer de ler. É verdade que não o autorizei a fazer decalque de meu artigo “A Língua Portuguesa Venceu!”, publicado no site Observatório da Imprensa, e só lá, pois prezo aquele veículo pelo próprio nome: um local de onde se podem observar os movimentos da mídia e comentar com total liberdade. Um site que, acredito, entende a Linguística em sentido amplo, como um estudo de linguagem que não se atrela às especificidades desta ou daquela corrente, mas contribui para o bem maior: a Comunicação.

Com fúria, paixão e ironia, o professor desfere insultos contra o meu texto e minha pessoa, (chama–me “dona Amatti”, ignorando os bons modos!) e por isso não entendo por que ele se absteve de escrever seu próprio artigo, contentando-se em “revisar” um texto que não lhe pertence. A crônica que escrevi e postei - e não “desovei”, termo mais apropriado para quem vai dispensar um cadáver no matagal, ou parir, desembuchar, como a etimologia indica, e parece-me chocante essa última expressão, quase escatológica - não vem para confundir ou agredir pessoas ou instituições, mas esclarecer a influência que a Língua Portuguesa exerce sobre os falantes. Esse era o ponto que gostaria de focar, valores e interesses transparecem não apenas no discurso, mas nas escolhas que emolduram o texto, como demonstra a réplica do linguista. Vou me restringir a alguns pontos que apenas reforçam por que a Língua Portuguesa sempre vence a quem a quer torcer, mais ainda quando esse alguém perde a razão, o equilíbrio emocional e revela sua ideologia ao fazer publicar um apócrifo em sites sem o conhecimento do atacado. Ademais, sem a fineza de recomendar que se leia o texto original, remetendo-o ao link onde foi publicado. Ética é fundamental em qualquer debate.

O título da colagem, “Quem mandou escrever?”, uma pérola para análise do discurso, tem duplo sentido. Literalmente, a pergunta remete ao primeiro parágrafo do comentário do linguista e é uma ameaça: “Quem mandou escrever? Seu pai? Sua mãe? Um partido político? Algum veículo de imprensa de direita, esquerda, subversivo? O pastor? O padre? Está a mando de quem? Diga-me logo quem mandou você escrever, que quero saber! Senão...”. Que medo!

De outro, figurativamente, é a vingança do mau professor: “Quem mandou escrever? Escrever não é para você, “gramatiquinha”. Vá fazer um bolo ou passear no shopping. Agora você vai ver, vou rasurar seu texto, picar o papel, queimá-lo, deturpá-lo, substituir sua linguagem pela minha e fazer tantas rubricas que ninguém mais vai saber o que você escreveu, e nem o que eu escrevi como se fosse você”. Duplo medo! Em ambos os casos, prevalece a ordem: “Cale-se!”

Esse título me fez recordar a época da ditadura, em que nada podia ser publicado sem a prévia censura de funcionários públicos que rabiscavam seus garranchos em letras de música, artigos de jornais, colocavam tarjas pretas em trechos inteiros e escreviam nas margens com caneta vermelha observações risíveis: “este personagem não trabalha, é um vagabundo, não pode”, ou como em uma peça em que fiz assistência de direção: “vetado porque as crianças aparecem cometendo atos cruéis”.

É verdade que aqueles censores eram bem menos preparados que o professor linguista, mas a atitude é a mesma. Não vou comentar nem reclamar por meu raciocínio ter sido chamado de cafona. Não é uma questão de raciocínio, mas de informação acerca de como a linguagem é trabalhada no marketing político. Nada foge ao planejamento. Nenhuma vírgula. Cada palavra, gesto, olhar, enquadramento é estudado e determinado ao candidato que, obediente, segue a cartilha e ganha o pleito. Quem desobedece, é punido com a derrota nas urnas. Em suma, trata-se de uma batalha nos bastidores, em que vence a melhor publicidade. Mesmo pessoas bem-preparadas podem não compreender que isso está nas entrelinhas e faz parte do jogo político. Não é novidade, mas sempre é bom ser didático.

A expressão “presidenta” foi cuidadosamente estudada e mesmo depois de empossada a presidente, a palavra foi plantada em factóides com ampla cobertura de mídia, a exemplo do episódio com Marta Suplicy e Sarney. Preocupo-me, sim, com o rendimento e as atividades do congresso, afinal, somos nós que pagamos as contas, não?

Além de petistas, há outras pessoas que utilizam de modo contumaz a palavra “presidenta”: as feministas que acreditam afirmar seu gênero, os simpatizantes dos exotismos das palavras, ou simplesmente os puxa-sacos que querem agradar à presidente para obter favores ou demonstrar apreço e respeito; nenhum deles está livre para pensar fora das estratégias propostas e divulgadas desde o programa eleitoral gratuito, porque a palavra está colada na ideia, anterior a seu uso.

Digo isso porque não sou, como o linguista disse, “desinformada”. Além de ler inúmeras publicações, ouvir rádio, ler livros e ver quase todos os noticiários, assisti com interesse ao horário político, e por ter passado por quase todas as funções como jornalista, em um momento que prefiro esquecer, tive de trabalhar com marketing político.

Tentei, ao longo do meu texto rubricado, avaliar a quais partes o comentarista dedicava o maior bloco de comentários, a fim de identificar a causa de ter despertado tal paixão, pois com tantos textos anônimos que falam sobre a polêmica “presidente x presidenta” rolando na intenet, bem poderia ele apropriar-se de algum deles. Preferiu o assinado por mim. Estou lisonjeada.
O trecho mais extenso, em que a a linguagem escrita transforma-se em transposição da fala e quase estrangula o texto original, refere-se a uma imagem, uma ilustração a título de exemplo que fiz a respeito dos falantes de “presidenta”, claramente pertencentes ao partido da presidente. Mas ser petista não deve ser insulto ou vergonha, por que seria? Será que alguém pode me explicar quando a democracia se transformou em ditadura da maioria?

Os comentários culminam por me chamar de desinformada e reacionária, em um trecho entrecortado por hifens e com observações deslocadas, não sem antes errar a grafia de meu sobrenome, por um lapso de digitação, tal a sanha assassina do linguista. Isso significa que escreveu freneticamente e não revisou o próprio texto. Ele, sim, o “desovou” em alguns sites, na ânsia de livrar-se da peça, transtornado pelo crime perpetrado. Já estava a imaginá-lo com os cabelos eriçados e fogo a sair pelas narinas!

Como não sou reacionária, entendo a reação de quem se opõe a minhas ideias, ademais porque o trabalho de educar exige muita paciência, e mesmo quando insistimos apenas em informar e esclarecer, há um limite dado pelo livre-arbítrio do outro, como lembra Vieira no “Sermão do Espírito Santo”: “O mestre na cadeira diz para todos, mas não ensina a todos. Diz para todos, porque todos ouvem; mas não ensina a todos, porque uns aprendem, outros não. E qual é a razão desta diversidade, se o mestre é o mesmo e a doutrina a mesma? Porque, para aprender, não basta só ouvir por fora: é necessário entender por dentro.” É esse entendimento por dentro que diferencia o conhecedor do sábio, o acadêmico do professor, o “linguista” do comunicador, a ditadura verbal da livre-expressão.

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