quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Crônica de até daqui a pouco, ou o discurso no funeral do pai poeta

Quando meu pai morreu, em abril de 2009, os familiares e amigos pediram-me para falar algumas palavras por ocasião de sua cremação. Confesso que na dor da perda, saber que poderia falar dele e com ele, ainda que no corpo inerte e passada a alma, foi consolador, sobretudo porque à época ainda não havia me recuperado de um câncer de mama e viajei de São Paulo a Porto Alegre, logo após uma sessão de quimioterapia. Registrei por escrito e publico aqui, com os votos de que cada um possa ver em seu pai o poeta que versa sua vida:

Bom dia!
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a todos os amigos que vieram dar “até logo” ao meu pai, Farid Amatti. Eu poderia falar dele a partir de cada um dos papéis ou personagens que ele desempenhou, como todos nós, em sua trajetória de vida, mas acho que ficaria sempre uma parte incompleta, pois cada um que o conheceu tem uma visão compartimentada do que representou: irmão, pai, amigo, marido. Por isso, vou falar de alguém que esteve dentro dele em cada um desses papéis, e que todos nós conhecemos: o de poeta.

Alguns dizem que poeta é aquele que escreve poesia, mas eu discordo, Poeta é aquele que tem um olhar sensível sobre as coisas da vida. Foi desse jeito que papai viveu, amou e até morreu: como poeta.

Feliz de quem tem um pai poeta! Quando eu e meu irmão éramos crianças, ele nos contava as histórias da Bíblia, da mitologia grega e contos de fadas, moldando nossa personalidade e nos estimulando para a cultura e a ciência.

Também amou como poeta: casou-se três vezes, a última com a querida Eliete, sua namorada de infância, a quem escreveu cartas de amor até o último dia de sua vida. E ter um marido poeta, no mínimo, é garantia de um relacionamento com a base mais sólida possível, o amor. Ainda jovem apaixonou-se pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, e depois pela profissão de advogado, defendendo os pobres, os indefesos, com generosidade e bom-humor.

Quem tem amigo poeta, como meu pai, sabe que ele desperta o que há de melhor em nós, e assim ele fez com todos os que o conheceram, inclusive seu irmão, Flávio, que mais que amigo, foi o carinhoso Sancho Pança do meu pai Quixote, o conselheiro “pé no chão” do cavaleiro andante e sonhador. Papai poderia ter sido o que quisesse: intelectual, professor, artista, comerciante, industrial, mas foi muito mais: foi poeta.

Não digo que os pais poetas não tenham os defeitos de todos os pais, eles também nos fazem chorar. A primeira vez que ele me fez chorar foi de emoção, exatamente aos oito anos: no centro da sala de nossa casa, à noite, declamou para nós o poema "Meus Oito Anos", de Casimiro de Abreu, cujo trecho preferido era a metáfora de como via sua jornada nesta terra: Como são belos os dias/ do despontar da existência/ respira a alma inocência/ como perfumes a flor/ O mar é lago sereno/ o Céu, um manto azulado/ o mundo, um sonho dourado/ a vida, um hino de amor.

Assim viveu meu pai Farid: como uma criança, desfrutou a vida como uma celebração à alegria da qual ele nunca abriu mão, mesmo em tempos de dificuldades e doenças.

A melhor coisa do mundo é ter um pai poeta! Até com poesia ele escolheu como seria sua morte: ser cremado e ter suas cinzas jogadas no rio Guaíba, ao pôr do sol. A razão é uma das passagens mais poéticas que já vivemos: ele escolheu assim porque da primeira vez que o visitei em Porto Alegre, ele, eu e a Eliete fomos ver o Pôr do Sol no Guaíba. Era uma tarde quente e havia uma festa folclórica na praia, com baianas vestidas de amarelo e dourado, cantando, dançando e muitas pessoas alegres, conversando e bebendo. Ele já se locomovia de cadeira de rodas, mas fomos a um bar com escadas de madeira e um deck, de frente para o rio e o astro-rei: Enquanto a tarde caía, conversamos longamente, profundamente, não apenas como pai e filha, mas como amigos, parceiros e cúmplices que fazem planos para o futuro, entre eles escrever um livro juntos e viajar a Portugal. Ao final, sabíamos que não havia outro lugar no mundo em que desejássemos estar que não fosse ali, vendo o sol se pôr lentamente enquanto as sombras cresciam sob os nossos pés.

Quando eu tinha 3 anos, papai, você mandou fazer mais de uma centena de cartões para serem distribuídos para os amigos, com uma foto minha e um poema que você compôs: “Dos meus 3 aninhos, esta recordação/ aos meus amiguinhos de todo o meu coração”.

Agora, pai, eu te parafraseio e retribuo o poema:

“A todos os meus amigos, deixo esta recordação:/ levo o poeta na alma, e o menino no coração”.

Boa Viagem, pai, nós te amamos nesta e na outra vida.

Um comentário:

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