segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A falta que faz uma vírgula (2008)




Além dos políticos, agora também os professores enveredaram pela arte de roubar o povo? O artigo, postado hoje (22/9), pelo portal UOL logo em sua página inicial tem título impactante: "Brasileiros precisam debater corrupção em sala de aula, dizem especialistas":

"Diferentes estudos e experiências mostram que a corrupção é um fenômeno complexo recorrente em todos os países e produz efeitos políticos, sociais e econômicos que prejudicam o desenvolvimento das nações. Mas, de acordo com especialistas em educação, o debate sobre a corrupção é fundamental e necessário logo no ambiente escolar. Para eles, mais do que saber o que é corrupção, é importante que os alunos aprendam a examinar, a criticar e a julgar mediante provas as várias faces da corrupção. `Feito isso repetidamente, como um hábito, estaremos formando cidadãos honestos´, afirma Cândido Gomes, doutor em educação pela Universidade da Califórnia e professor da Universidade Católica de Brasília [...]."

Eu mesma, que fui professora por mais de vinte anos, nunca imaginei que nossa profissão merecesse esse destaque, no mau sentido. Nunca angariei um só centavo que não fosse fruto das muitas horas-aula e outras não contabilizadas de preparação e correção de provas e exercícios.

O argumento da urgência - Os colegas também devem ter ficado chocados. Como é possível ser corrupto entre as quatro paredes e com os alunos que mal têm condições para freqüentar a escola? Seria em relação à diretoria ou ao governo? Imagino, em tom ameaçador: "Ou vocês me pagam uma propina, ou este semestre não vou ensinar o que é Objeto Direto." Acho que a coerção não iria dar certo, pois saber ou não saber gramática é indiferente para os gestores de educação. E para muitos jornalistas também.

Que falta faz uma vírgula ou, pelo menos, uma inversão de termos para desfazer a ambigüidade (vou aproveitando para colocar trema onde precisa, antes que os fiscais do novo acordo me persigam...). Não seria mais adequado colocar vírgula antes do adjunto adverbial de lugar "em sala de aula" ou mudar o título para "Corrupção deve ser debatida em sala de aula, dizem especialistas"? Outro: "Corrupção é assunto para sala de aula, dizem especialistas", caso os "especialistas" sejam realmente essenciais para o título, o que não acredito, pois o termo pode estar no corpo da matéria sem prejuízo para a comunicação.

Se resolvermos inquirir o redator, provavelmente ele dirá que estava com pressa para colocar o artigo no ar. O argumento da urgência no dead line parece que virou pretexto até para produzir títulos absurdos como esse, lido por milhões de internautas. Como professora, protesto! Como jornalista e leitora, vou à forra: "UOL seqüestra vírgula no portal."

Ver o Horizonte, enxergar o Céu



Muito Prazer. Para quem não me conhece, sou a professora e jornalista Vera Helena, e criei este blog para dar vazão a algumas ideias que insistem em sair da cabeça e ir à tela. A leitura vertical é bem próxima da reflexão, mas são ideias que partem de pontos essencialmente diferentes. Refletir é enxergar-se a si mesmo, como pelo espelho, em que o conteúdo está ali, basta vê-lo, é reflexo. A leitura vertical nos obriga a ver o outro.

Apaixonada pela linguagem, aprecio todos os gêneros literários. Embora tenha o costume de ler a Bíblia, sermões e cartas de padre Vieira, textos acadêmicos e poesia, o que realmente gosto de escrever é jornalístico. Gosto de escrever como quem fala pela janela com os vizinhos ou vendedores da rua, ou como quem discute política na mesa dos cafés, ao ar livre, vendo o movimento da rua.

E quando leio esse mundo que passa e fica nos meus olhos, ele, por si, descortina outras leituras, de modo que aquilo que era horizonte e me permitiria mover a visão para trás ou para frente, em movimento cronológico, passado e futuro,causa e efeito, desloca-se para o alto e abaixo: entre as linhas há outro texto, abaixo esconde-se o que a palavra quer ou não quer deixar transparecer, acima está o significado que irá perdurar. Esse é apenas um exemplo, não a regra de uma leitura vertical.

Essa terminologia surgiu de uma entrevista que dei ao Jornal Folha Dirigida, especializado em concursos públicos. O repórter me perguntou qual era a principal característica de um bom redator. Como associo a boa redação à leitura(embora existam excelentes escritores não tenham tempo para ler nem mesmo o jornal do dia), respondi-lhe que era fazer uma leitura vertical. Acho que o rapaz não entendeu muito bem, porque eu mesma não entendi na hora em que falei. Deixei o conceito pendurado no ar, sem cabide nem varal. Costumo ter estalos assim, ao dar uma aula, ao conversar, pois gosto e preciso de pessoas, são elas as interlocutoras com as quais posso compartilhar ideias, ouvi-las e aprender muito. Entender o que digo e ser quem eu sou.

Foi só mais tarde, ao refletir (agora, sim! Nesse caso, foi reflexão)sobre a interpretação de textos, ao colocar a mão na massa da linguagem, que compreendi melhor o termo. A leitura vertical nos proporciona, em linguagem mais comum, "pensar fora da caixa", pois há uma mensagem que o próprio texto, e não o autor, nos quer transmitir. Escritores, acredito que a maioria deles, leem verticalmente o mundo, bem como filósofos ou qualquer pessoa que possa entender a realidade de forma criativa. Portanto, o exercício da leitura vertical e´, acima de tudo um exercício de criatividade.

Portanto,faço-lhe o convite: Se você já sabe ler, não repouse seus olhos sobre a linha contínua que vai desembocar, como rio, no nada das ideias, acompanhe-me na aventura de deslocar a perspectiva para dentro da palavra, como cachoeira, acima e abaixo da linha. Será, certamente, um grande aventura radical.